O submundo no livro aberto encerra um capítulo de entranhas. Traz os cheiros guardados num passado de terra e linhas. Trabalho o meu coração com canga e suor, releio estas frases sebosas a medo na noite. Na luz suave da tua voz todos os livros devorados se fazem cinza.
Por vezes o grito espera. Encontra o infra sagrado nas vísceras cruas e o amor subsónico nas traves do leito. Por vezes a surdez toma posse e a vida abre asas nos troncos da fé. O grito suspenso relata os harmónicos e tu escutas. Sempre atenta.
Cruel esse amarelo que dispara em direção ao levitar do pó dos insetos. Cruel esse amarelo e esse esvoaçar atraído à gravidade anulada destes socalcos. Qual sentido dissipado das bestas regressa pelas origens do voar à melancolia das mãos? Qual besta regurgitada incentiva poetas?
É a tarefa e a agonia das horas nas mãos na boca e na cabeça, o sonho inacabado e o fio colorido a conduzir-te acordada. Eu, sentado neste cepo cerrado conto os minutos das memórias.
Ligada ao infinito a tua voz gravada no horizonte de pedra a bailar nas águas, nos traços do céu e nas areias mornas. No abismo das tuas mãos separo os elementos, distraído pela atenção à tua pele, aos teus poros, aos teus átomos e ao Deus alforriado que ocupa as praias.
Na fímbria da floresta os sonhos acesos meditativos e frescos na raiz do entardecer. Mãos nos bolsos, ombro encolhido, tu ao meu lado. As ervas húmidas, a minha pele seca, as tuas mãos nobres, o solo e o ventre, a terra. Ouço-te que vens do centro do mundo com os braços abertos. Os meus nos teus preparam a partida... sempre e agora.
Da aorta até à terra seca do cosmos espalhas as tuas palavras meu amor, através do tórax entreaberto à luz mortiça dos candeeiros. A literatura sedosa das tuas mãos e o adjetivo salgado da força boiam na tonalidade leitosa das janelas e o magma da carne, despido até ao invisível, contorna a tua expressão renascida e a minha impressão pungente.
Noite. A palavra densa corre pelas veias. Na porta do cérebro todos os teus átomos chamam pelo universo da carne. Noite. Acordada dentro dos sonhos pesquisas-me poro a poro. Tu, pura como o sangue na lucidez das sombras. Eu, como o sal, nas tuas mãos esguias retornando à terra.
Agarro com as duas mãos os teus sonhos, as gotas de água morna e as folhas de papel. Estou a ouvir-te no centro. A ti e à luz, na mecânica do tempo e das retortas queimadas. De braços abertos detono a cabeça do cão e com as portas abertas ditas o que te apetece, coroada de palavras e terra.