As palavras do agora recaem distraídas e poderosas no jogo do palato e das gengivas de ferro. Desenrolam-me as frases desfeitas na ausência. Estou consciência e treino iniciado no ritmo fincado na pele. Que reconhecimento este, que liberdade. Nas mãos geladas mantenho todas estas divisões, toda esta terra.
Por baixo dos pés o solo adormecido da mente, os aros gelados dos catres queimados. Nas ênfases da minha língua o deus da pobreza. O som do piano ouve-se distintamente através das paredes. Estás aí, minha querida? Eu estou aqui com as chagas elétricas e na cegueira leitosa deste momento reconheço a tua voz no elemento da voz.
Na gaveta do meio guardo todas as nossas coisas. Os campos que lês, os laços que abro, as veias dormentes, a luz da lareira. No meio dos sonhos contados guardo os sons e o frio dos ossos. A pele que liberta a lição. O tempo entretido na dor. A roupa espalhada no chão. No centro de tudo esqueço o momento. Relembro apenas o prisma na sala de aula, a levitar na escuridão.
Tornado à cave como um animal o teu coração rasteja pela penumbra. É o deus das borboletas que enche toda a escuridão, é o sumo dos ossos. Ouço-o no ranger das calhas e nos carreiros secos. Homem cru, a alva traceja. Larga os trapos, some sereno. Eu espero sempre nas esquinas atento ao mundo.
É secreto este pensamento aberto de par em par. Nestas mãos que macias alisam o calor do outono. Neste outono em que alegre cantas de cadáver limpo. Neste chão onde sulcado sonho estas cartas de amor.
O caminho de terra batida, ladeado de ervas altas e de pequenos troncos de canas e catos, leva-me até ao cimo de um dos pequenos morros das terras do meu pai. O transe do arvoredo e a respiração lenta da folhagem em redor da casa entranham-se no mundo e na voz. O vento sussurra no pânico dos vivos que cantam no cemitério contíguo e o meu olhar, trajado de desilusão e artes, percorre as lágrimas dos mortos junto aos carreiros e aos esgotos. Aqui estás tu neste caminho antigo. Aqui estás tu dentro dos meus braços. Levo comigo o pesado andor dos teus passos lentos e os leves pesadelos da voz que sussurra… aqui estás tu.