Compreendo o mundo dentro do teu mundo semeado no som e na carne da alma. Compreendo invisível na noite os trechos do corpo e as roupas do sono. À frente do sal do mar infesto as minas com sombras e luz, desligo as dores dos sumos da vida, resgato nas letras a cor da manhã.
Na hiperestesia dos factos o teu amor sem rival descobre novas partituras novos andamentos no Cristo que dorme na luz que abre caminhos nestes tons sonoros e chora nos braços em que estalam raízes plantadas no centro dos astros da linfa.
O cheiro a madeira queimada e o gosto a pó na boca e nos dentes. As pernas e os braços pesados. A cabeça a vaguear nos sonhos profundos do outono e o Cristo interior a nadar entre as algas das ondas. O guerreiro desarmado, com todo o poder nas mãos, a dizer coisas incompreensíveis no jardim ao lado. O retrato amassado junto à janela e o medo a pairar lá fora, no nevoeiro inerte. A arte da ligação em todos os objetos e o bruxo da fé a revelar segredos encostado ao ouvido, sereno como um cão. A vida a deslizar por entre os dedos inchados. Calculo o que dizem os mortos. Reclamo por tudo e por nada. Entro frenético nas chagas dos vivos com o fogo da carne. Pelos arredores, durante as noites de verão, apenas os bichos rastejam nas mentes cansadas. Apenas o ar esganado sufoca no escuro. Penso e não sei. Sei mas não penso. É o vento da loucura a rondar voraz pela vizinhança.
Doem-me as mãos ao escrever. A pungência da noite intercalada na carne estende o anseio por esse momento em que este garrote seja o sabor das fontes, seja o ferro dos dedos, as artes talhadas e o carbono expirado nas noites, nos dias.
Passo a passo cantando através do coração denso do universo. O poderio dos sonhos recita alinhado pelas traves do teto. Sou os braços da vida, os açúcares da seiva, o palmilhar quântico. Venho e vou como um homem nu, como uma ilusão crua. Passo a passo faz-se este trajeto, na carne no sangue e nos ossos.
Guarda o teu medo para as horas fundas diz a minha aura coada. Nos joelhos os metais cruzados, na longa força do braço os meteoros brancos, no deserto da espécie os sobressaltos do mundo. Cabisbaixo trago esta oferenda na serenidade. Para cá desta porta a luz acesa.